Viva 2020!

há despedidas apetecidas
a criar esperança em sonhos de mudança.

O nascimento

Mote de MR: Nasceu Jesus!


Ouçam quem nasceu em Belém:
Jesus, o nosso Salvador!,
enrolado em panos numa manjedoura ficou

É Natal!

Mote de Francisco Vaz: O Natal é festa em família.



Crepita a lenha na lareira a aquecer os corações.

Ouvem-se risadas e há faces rosadas de celebração
que é por aqui bem desejada esta doce tradição.

A mariola

Até parece um dia normal à luz da vida
mas não é

Escondidas

O Natal espreita pela janela e esconde-se como um garoto a brincar.
Enviou o frio e a chuva e o vento e a neve, há casacos grossos e botas altas pela rua a tiritar...

Berlindes

Mete as mãos na terra e abre o primeiro buraco
Coça a nuca, terra solta nas unhas tornadas castanhas

Papagaio perdido

O papagaio corta o espaço levado em braços
que um vento fresco o carrega,
riscado como um arco-íris, todas as cores espalhadas pelo ar...

Debaixo de chuva

Sinto mais uma gota escorrer
fresca...
desce pelos cabelos finos

Aí vou eu!

Tenho, no quarto, um vão de parede todo riscado
na importância dos centímetros que urge registar:

Interrogações

Um malmequer solta as suas pétalas pela brisa quente
como leves longas penas, brancas e perfumadas

Que Graça

Sobe-se a rua,
vira-se à esquerda,
desce-se,

Era um gelado

Este vermelho ou encarnado
é assim bem vivaço

O cadeirão

O olhar sério imita a gravidade da situação tamborilada no abanar do pé pensativo

O lar

E um dia as paredes se tornaram lar.

Saladas

Alface verde ou roxa, lisa ou quiçá frisada,

legumes salteados em angústia do saudável

Docinho

Uma bela doçura achocolatada
embrulhada em corpo de menino

Os extraplanetários

Estão largadas as pegadas robóticas,
sondas rodopiadas por aí
no espaço interestelar,

Alunagem

'The Blue Marble', Apollo 17- câmara 70 mm, 1972 - fonte NASA

O berlinde azul de branco matizado fascina um coração
que bate agitado no espaço profundo

Ainda mulher (28)

Indiferenciada na minha condição, mãe e mulher apaziguadas, já nada estranho, tudo quero exactamente como o é em cada instante.

Ainda mulher (27)

A Mãe!

Fresca, acabada de ser mãe de meu filho, sou ainda, e muito, a filha de meus pais. Pois se de minha vida inteira!

Ainda mulher (26)

Podia-se dizer do dormir ou do ler, jantar fora,
um cinema, talvez, teatro, isso!, ou uma festa

Ainda mulher (25)

O tempo abre as asas e voa em plenitude,
lesto e maternal

Ainda mulher (24)

Olhei em redor cheia de propósito,
a atentar nos pormenores
ao vasculhar o fundo das memórias

Ainda mulher (23)

Uma nuvem vem poisar mesmo no centro do meu pensamento,
que atrevida!, a bater asas e a fazer muito vento!,

Ainda mulher (22)

Verga-se o corpo cansado,
irritado!,
trinta minutos contados

Ainda mulher (21)

No momento em que o universo se renovou e rejubilou
em redor da sua nova estrela,
um satélite continuou a rodar em torno do seu planeta

Ainda mulher (20)

O corpo pesado decidiu.
É hoje O dia e nada o pode contrariar,
é preciso acrescentar luz ao mundo
e encerrar tão prolongado estado fecundo!

Ainda mulher (19)

Paira com as suas asas negras sobrevoando silenciosamente o caminho dos dias decrescentes
mostra-se aquando, perturbando sem propósito a respiração:
respira, mulher!

Ainda mulher (18)

As imagens sucedem-se incontroláveis, sobrepostas, terroristas. O rosto distorcido por um corpo que se contrai dolorosamente até se converter num rasgão assustador.  Inevitável. Como a morte. Previsto.

Ainda mulher (17)

Eis quando um minúsculo pé se estica barriga dentro,
se desenha em detalhada perfeição, se anuncia, não se deixa esquecer,
como se possível fosse!,

Ainda mulher (16)

Duvido. Constantemente. Enquanto a água escorre pela pele a aligeirar o perfume íntimo. Numa espera infindável.

Ainda mulher (15)

Sou eu, sim, sou eu quem assim se apresenta em sobressalto
neste vestido preto de tule transparente rendado, uma delicadeza a descobrir estas curvas extraordinárias,

Ainda mulher (14)

Danço e em pontas, numa expressão máxima de musicalidade circular,
sem bem compreender,

Ainda mulher (13)

Amanhece no lençol esticado

a ausência total de qualquer ruga a denunciar a solidão,

o sem vergonhas!

Super- heróis

Entrei num rompante, bolha rebentada a libertar gotas de água

espremendo a nuvem até destapar o sol qual herói animado

Sopa

Come a sopa, querido! tem legumes a borbulhar
que mergulham e aparecem divertidos a boiar:

Ainda mulher (12)

Três da madrugada e o despertar num anseio de qualquer coisa indefinida,
sou a pedir o roçar do inexistente:

Ainda mulher (11)

Enterro os minúsculos dentes na enorme maçã vermelha libertando sucos agridoces que escorrem num arrepio pela espinha seguido de duas dentadas enormes em seis minúsculos bagos de uva

Companheiro

Onde está o gatinho? Quer-se bem enroladinho
no pescoço do menino a dormir com um largo sorrir:

Ainda mulher (10)

Que se quer linda e percebe-se do brilhozinho nos olhos negros,
ou a faísca inflamada dos sentidos
seus.

Ainda mulher (9)

Ainda por estes dias reinava um calor a provocar inchaços,
e eu exibindo braços, pernas e uma gravidez esplendorosa
pelas finas e frescas e coloridas sedas da China

Ao deitar

Chegou a hora de dormir e o pijama saltitou
do roupeiro para a cama fofa e ali se instalou

Ainda mulher (8)

O espelho roda e retorce-se em ilusão
todos os ângulos possíveis investigados:
camisolas, cores, calças, feitios, diversos vestidos

Ainda mulher (7)

Cambaleia noite fora, ébria de sono,
não encontra uma feliz posição.

Páscoa

Um alegre coelho gigante saltitou do cimo da prateleira
e encheu o cesto das compras abanando as suas orelhas.

Ainda mulher (6)

Ainda será que sou neste corpo que se disfarçou?

Já nem sei de mim, sei lá por onde?, vejo mal

escondida por debaixo de múltiplos inchaços,

Ainda mulher (5)

Descubro um corpo novo diariamente
a transformação recebida

Filtro

O tempo foge saltitando no coração
sem razão

Domingo no parque

o sol luminoso irradia alegria sobre as árvores
há gritos e risos da criançada aqui e acolá pendurada

Ainda mulher (4)

entre o quebranto e o arquejar, nem sei de mim perceber
o corpo a falar alto sobre a multiplicação do ser,

Ainda mulher (3)

Canso-me
estranhamente penso