12 outubro 2015

Corrida

Passada pesada, sonora e ritmada,
Bate na terra com toda a ira
De quem devolve os desgostos de uma vida inteira.

Até que a dor do corpo faz, finalmente, calar a dor da alma
Lançando-o, esgotado, por sobre a relva.

Dez quilómetros numa hora.
É tudo o que agora importa.

Curandeiro

A perda acontece.
Pouco importam os receios do antes,
As dores do durante
Ou as cicatrizes do após.
Acontece.

Mas o nascer do sol também,
A sarar.

Ofertório

Dou a poesia,
Com mãos largas e desprendidas.
Valerá o que o apreço sentido deixar...

De mim,
Dou o que tenho.

Voo

Liberta o medo, abre-lhe a gaiola
E deixa-o sair do peito,
Tornar-se uno com o todo universal.

Verás que a existência continua, ainda assim,
Mais leve, porém.



Recital

Se fechar os olhos, sinto o cheiro quente das velas
Cera derretida pingando por sobre o soalho de madeira
O tom cantado das escrituras ecoando longínquo
Vindo do passado, do velho livro aberto no púlpito...
E os versos vão-se propagando numa voz límpida, grave, bonita
Entrando profundamente nas minhas memórias do sagrado...
Transportam nas suas rimas o conforto da crença
Numa mão invisível que nos ampara na queda
E nos envolve em pertença.

Se fechar os olhos, e fecho, ouço a poesia religiosamente.

Eis quando o espírito se apazigua soltando uma lágrima,
Vertendo alívio.