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01 dezembro 2020

A salga da doçura


Há sabedoria nas calmas águas do rio que seguem no seu ritmo próprio o caminho desenhado pelo leito, deslindam da vida mistérios e cauterizam dores no reflexo com que reacendem o brilho do olhar mais perdido.
Nasce o dia a saudar as margens, enregelado, uma neblina a acariciar este corpo que disfarça os seus sentidos encharcados ao observar o tempo levado pelas águas, um tempo a declamar perfeição na sua passagem, um tempo necessário ao ditar do compasso respiratório e à recomposição do ar rarefeito. 
A existência lentamente se apercebe do estar e se inspira nesta visão, liberta de receios reencontra os sentidos transitórios com que esboça os seus muitos percursos.
Assim o prazeroso pulso criativo se alheie da desumanidade que o fere e se permita também ele ser levado na bonomia da corrente, onde um pequeno peixe lhe pisca um olho atrevido, qual pedra de sal a temperar uma alma demasiado doce.